Jonatan Strange
Não existe segurança total nas cordas. É uma frase pesada, mas bem verdadeira dentro do que praticamos. Parte das pessoas até têm alguma noção quanto aos riscos (ou não), mas só vamos ter plena consciência após ter ocorrido algum acidente. E eles irão acontecer. Se não aconteceram, você não praticou o suficiente. Isso não quer dizer que devemos banalizar os acidentes e aceitar eles como algo sem escapatória. Pelo contrário, a ideia é que saibamos reduzir os acidentes e minimizar as consequências com posturas ativas quanto as ocorrências. Mas todo acidente é grave? Não, boa parte dos acidentes ocorre o tempo todo enquanto estamos aprendendo e praticando.
A primeira questão de segurança é a mais básica de todas. “Você conhece a pessoa que vai te amarrar?”. Conhecer bem a pessoa antes de praticar pode ser o ponto chave para uma prática bacana, até pelas afinidades e expectativas que a coisa toda pode gerar. Conhecer o histórico da pessoa ajuda a nos tranquilizar e se soltar mais durante a prática. Confiança é algo fundamental e se por algum motivo desconfiar que é melhor não fazer, não faça.
Uma corda passar muito rápido e queimar a pele é um tipo de acidente bem recorrente. E muitas vezes isso até pode ser encarado como parte da prática se a pessoa que está sendo amarrada gosta desse tipo de situação em certo grau.
A forma como a corda é passada também influencia nessa possibilidade de acidente. Para diminuir esse tipo de ocorrência a manutenção das cordas, em uma periodicidade curta, suaviza o atrito da corda com a pele. Existem diversos tipos de tratamento para as cordas, mas um bem comum é a cera de abelha misturada com algum tipo de óleo mineral ou vegetal.
Há algumas pessoas que apresentam alergias a corda ou o material que é utilizado para tratar elas. Nesse caso o recomendado é experimentar outra corda ou outros tipos de materiais. Caso o contato com a pele ofereça coceiras, vermelhidão ou inchaço, é recomendado não utilizar aquela corda na pessoa. Alergias têm causas complicadas de explicar e caso aconteça é interessante procurar um profissional qualificado. Manter as cordas limpas e guardadas de forma adequada ajuda a reduzir essas ocorrências.
Outro tipo de acidente bem recorrente é a pessoa que amarra arranhar a outra pessoa com a unha, por isso é tão importante manter as unhas sempre bem aparadas e lixadas para a prática.
Há também alguns casos em que a pessoa fica com pequenos hematomas vermelhos na região onde a corda passa e esses hematomas acontecem como se a corda tivesse beliscado a pele. Acontece também de algumas vezes a corda beliscar a pessoa em regiões um pouco maiores, mas acontece mais no movimento de fazer e desfazer do que com a pessoa estática. É necessário também tomar cuidado com o movimento da corda, principalmente o rabo dela que gosta de pegar em lugares doloridos (cuidado com os olhos).
Outro acidente é a queda de pressão da pessoa que está sendo amarrada. Isso pode ocorrer por inúmeros fatores e é algo importante para ser perguntado antes da prática, se existe histórico de pressão baixa ou alta, se a pessoa está bem alimentada (e com algum tempo após a última refeição), se está hidratada e ainda se existe histórico de problemas circulatórios. Caso haja algum problema é importante soltar as cordas ou pelo menos afrouxar elas de forma ágil. Colocar a pessoa sentada e abraçando os joelhos ajuda a diminuir os sintomas, mas não resolve o problema da pressão. Em caso de hipotensão um isotônico ou algo salgado para comer pode ajudar. Em caso hipertensão o mais recomendado é levar para um Pronto Socorro mais próximo.
É muito importante que a pessoa que será amarrada tenha transparência quanto a estas informações e mesmo assim é prudente a pessoa que está amarrando ter bastante atenção quanto a esse histórico, principalmente se são as primeiras vezes que aquela pessoa brinca com cordas.
Como a prática costuma exigir muito esforço e frequente que haja fome e sede. É prudente ter água e alguma comida (doce e salgada) para as pausas ou o pós prática.
Outra coisa bem comum de acontecer é a diminuição do fluxo sanguíneo de algumas áreas, mostrando inclusive a troca de cor ou temperatura de algumas regiões do corpo. Isso nem sempre indica que algo está errado, mas isso pode ser ruim pois pode mascarar outras ocorrências e a pessoa não ter sensibilidade suficiente naquela área e perceber que algo de errado aconteceu.
Como a prática com as cordas envolve muito dinamismo, é bem comum que se algo assim começa a acontecer a pessoa que está amarrando desamarre ou troque o tipo de amarração daquela região para que o fluxo sanguíneo volte a se normalizar, consequentemente a temperatura e a cor da região também voltem ao normal.
Outra coisa relativamente comum de acontecer é a pessoa que está sendo amarrada sentir frio durante a amarração (principalmente se a pessoa estiver sem roupas). Isto é algo que pode ser facilmente contornado com um ambiente termicamente mais confortável ou então sempre um cobertor próximo. Outra possibilidade é a pessoa que amarra abraçar e trocar calor com a pessoa amarrada (quem amarra costuma passar bastante calor).
Algumas posições também podem oferecer dores articulares ou musculares, principalmente se não há um aquecimento prévio ou alongamento para tais posições. Nem sempre a pessoa tem condições de fazer a maioria das posições que modelos profissionais fazem após muito treinamento e preparo físico. É importante respeitar as limitações físicas da pessoa amarrada e a pessoa amarrada também precisa ter noção de que não é forçando uma posição que irá conseguir alcançar ela.
É um tipo de acidente que pode acontecer no momento da prática ou ainda só ser sentido no momento posterior.
O acidente que pode ser considerado com as maiores consequências é o dano nervoso. Mesmo ele não sendo algo que tenha tanta probabilidade de acontecer como os acidentes anteriores, é o que pode trazer mais problemas, desde uma dormência momentânea em alguma região do corpo, ou uma perda momentânea do movimento de alguma região, como até mesmo a perda do movimento de alguma região pelo rompimento do nervo. Em casos mais extremos é inclusive necessária intervenção cirúrgica e fisioterapia. E como evitar isto? Nem todos os nervos são expostos o suficiente para que com o contato da corda no corpo e a pressão dela cause dano nervoso. Mas algumas regiões tem nervos expostos e devem ser evitados. Ainda algumas pessoas tem tais nervos mais expostos do que outras, variando com o tipo físico e a genética.
A região que comumente é afetada por dano nervoso é a dos membros superiores, sendo o braço a principal região atingida. Os nervos mais danificados são o nervo radial, o nervo mediano e o nervo ulnar.
Esse tipo de dano pode ser imediato, de médio ou longo prazo, sendo que algumas vezes esse dano pode ser dado por sucessivos danos menores até o rompimento dele. O sintoma mais comumente descrito é uma dormência nas mãos como se pequenas agulhas fossem enfiadas na pele, além da perda do movimento da região. Em caso de acidentes desse tipo o procedimento é procurar auxílio profissional.
É importante sempre saber onde fica o hospital mais próximo e também ter meios ágeis para chegar lá. Para evitar esse tipo de acidente é interessante uma descoberta gradual da própria pessoa amarrada sobre a sua anatomia, sinalizando os melhores lugares onde passar e onde não passar a corda nos braços, visto que essa é uma região bastante amarrada. Algumas vezes a diferença está em milímetros da corda um pouco mais pra cima ou para baixo, evitando um ponto onde há desconforto da corda sobre o braço.
Há outras regiões onde os nervos são bem expostos, como é o caso das articulações, principalmente na parte interna delas. Joelho e cotovelo devem ser evitados. O pescoço e o rosto também tem nervos bem expostos e devem ser evitados por esse e por outros motivos.
Um outro acidente que pode ocorrer e precisa de bastante atenção é a pessoa que está amarrada sentir a necessidade imediata de ser solta. Isso pode acontecer por diversos fatores, mas é necessário uma postura ativa para soltar, até para que a pessoa não tenha outros acidentes dessa eminência de estar livre. Por isso é tão importante uma tesoura de ponta romba, que é usada para resgate em acidentes. É uma tesoura sem ponta e tem grande capacidade de cortar roupas.
Como a corda tem semelhança com as fibras usadas em tecidos, tem facilidade de cortar sem que corte a pele da pessoa. Acaba sendo uma boa prática sempre manter a tesoura junto com as cordas. E a tesoura não é pra ficar sendo utilizada para outras finalidades porque pode acabar corrompendo a sua capacidade de cortar. É bom inclusive verificar se ela está íntegra e funcionando bem de tempos em tempos.
Por mais que doa cortar as cordas, num caso assim não pode haver dúvidas que essa é a coisa que precisa ser feita.
E todos os acidentes acima ainda estão relacionados ao fator humano. Uma escolha mal feita quanto ao virar a pessoa, do onde passar a corda, da intensidade da brincadeira ou inúmeras outras escolhas durante a prática são cabíveis de erros e é importante saber lidar com eles dentro da prática, inclusive tendo noção de que alguns erros fazem com que a prática pare de imediato. É parte muito importante do jogo com as cordas saber desfazer e parar a prática sempre que necessário e não ter medo de perder as cordas caso necessite cortá-las.
Então, para ter uma prática um pouco mais segura, o que é bom lembrar?
Não faça nada que tenha não tenha segurança para fazer. Por isso é importante participar de oficinas e ter contato com outras pessoas ao vivo para assistir cenas.
Ter um conhecimento básico sobre anatomia e perguntar bem sobre o histórico da pessoa que está sendo amarrada.Tesoura ponta romba sempre junto com as cordas.
Cordas com a devida manutenção e checagem sempre antes de qualquer prática.
Um ambiente seguro e confortável, para que elementos externos não atrapalhem a prática.
Água e alguma comida.
Saber onde fica o hospital mais próximo caso ocorra um acidente e ter meios para chegar lá.
Não praticar quando alguém envolvido estiver alterado de alguma maneira, seja com uma carga de estresse alta, seja pelo uso de alguma substância ou ainda cansaço.
Automedicação é algo extremamente perigoso e não deve ser ministrado medicamentos sem auxílio profissional.
Manter uma comunicação ativa durante a prática com vários momentos de checagem.
A pessoa que está amarrada precisa ter capacidade de avisar quando algo está errado e a pessoa que está amarrando tem que ter condições de escutar e agir de forma imediata. Então é importante não isolar totalmente a pessoa com várias restrições (fala ou pequenos gestos).
Agir de forma gradual e responsável. Ter pressa para conseguir fazer coisas difíceis dificultam ainda mais elas.
Entender e respeitar as limitações do nosso corpo e do corpo da outra pessoa.
É uma prática que cansa um bocado e se a pessoa não tem um preparo físico bem desenvolvido, o período de repouso entre uma prática e outra pode levar dias. É importante não acumular machucados sobre machucados.
O corpo precisa estar totalmente recuperado para que não haja maiores danos.
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