Texto por Vanta
Aviso: não sou nenhuma autoridade no assunto. Nada do que eu disser aqui é ou deve ser interpretado como verdade absoluta. Expressarei aqui a minha visão construída através do que vivi, li e aprendi ao longo desses anos.
O que é shibari? Por mais que a pergunta pareça simples demais, ela é talvez umas das mais difíceis de responder neste assunto. Para tentar responder esta pergunta, vou fazer uma série de comparações entre o shibari e o bondage.
Aqui no Brasil, principalmente para as pessoas que já tem algum contato e experiência com o BDSM, o bondage é uma prática bastante conhecida. Muitas vezes o bondage é até confundido com o shibari e os nomes são tratados erroneamente como sinônimos. No entanto, eles são bastante diferentes, tendo, talvez, a imobilização como único elemento comum.
O bondage ocidental tem um objetivo final, a imobilização para alguma ação seguinte. Ele é pragmático e direto. A pessoa pode ser presa em segundos com fitas ou algemas, por exemplo. Há pouca ou nenhuma comunicação no ato de imobilização. O objetivo está no depois, no que será feito com a pessoa imobilizada. Pode não vir a ser feito nada e a imobilização mantida só pela humilhação. Pode haver algum ato sexual, uma sessão de sadomasoquismo, uma massagem... Enfim, há uma miríade de possibilidades do que se pode fazer com uma pessoa imobilizada. Tudo com consentimento, claro.
A diferença fundamental entre uma sessão de bondage e uma de shibari é o propósito: o primeiro visa um destino, a sessão de shibari é uma jornada.
É possível fazer uma metáfora com o ato de viajar. O bondage ocidental é como uma viagem de avião, com destino certo para um hotel já reservado. Já o shibari, seria como colocar uma mochila nas costas e curtir cada passo da viagem, explorando cada lugar por onde se passa, admirando as paisagens, muitas vezes, inclusive, sem destino definido.
No shibari, o propósito está na interação durante o próprio processo de imobilização e também o de soltura. Há uma fluidez que não divide uma parte da outra do começo ao final de uma sessão.
Shibari é feito somente com cordas. O uso de cordas prolonga e torna a amarração um ato progressivo, ela acontece passo-a-passo, parte a parte, cada momento e toque faz parte e tem sua importância. Nas palavras de Bakushi Sin:
“A impressão é que o bondage de simplesmente prender algemas causa a imobilização rápido demais, enquanto as cordas trazem uma construção sensual; uma brincadeira prolongada. Cordas causam conexão, enquanto outros meios de restrição de movimentos não possuem esta sutileza.” [1]
As cordas de fibra natural de juta ou cânhamo, quando tratadas, têm um toque suave, humano e agradável à pele. Além disso, elas são de fácil soltura, seus nós não apertam demais sobre si, facilitando a fluidez no processo final de liberação. Assim a pessoa que amarra não corre o risco ficar lutando por minutos para desfazer um nó altamente apertado, o que acontece facilmente com cordas de algodão. Mais além, sua baixa elasticidade garante uma melhor estabilidade da amarração, fazendo com que ela não se deforme demais e perca a funcionalidade durante a movimentação da pessoa.
O ato de desamarrar é uma parte tão importante numa sessão de shibari quanto o de amarrar. Na verdade, tudo faz parte de um processo só, idealmente. Tanto o é, que no Japão a soltura é ligada a um processo de purificação:
“Purificação e liberação é um tema que recorrentemente percebo quando estou no Japão. Também vejo seu efeito, apesar de mais sutil em muitas mulheres que amarro. (...) ela relatou uma onda de alívio durante o processo de soltura, tão prazerosa quanto a de ser amarrada. Não é apenas o fluxo sanguíneo voltando a seus membros, é uma liberação muito maior que apenas a da imobilização das cordas.” [1]
A simplicidade é também um elemento importante no shibari. Por mais que não pareça, ele é composto apenas de nós simples e rápidos. Arrisco dizer que para o shibari são necessários apenas dois ou três tipos de nós. Já as amarrações são elementos complexos, porém compostos por elementos simples. A importância da simplicidade do shibari está também na fluidez da comunicação. Fazer um nó super complexo leva tempo e causa uma quebra na harmonia da interação.
Um último ponto a ser notado é a estética. O shibari tem uma estética própria, herdada de sua origem japonesa. Os padrões se repetem nas amarrações. Existe uma diversidade de princípios que levam à estética final agradável e conforme a tradição. Mas este é um elemento de menor importância em relação aos outros, pois preocupação excessiva com estética vai de encontro à fluidez da comunicação entre os envolvidos.
Não quero aqui julgar o shibari como algo com mérito superior ao bondage, apesar de pessoalmente ter esta opinião. Cada um se diverte com aquilo que gosta. Bondage pode levar a brincadeiras muito prazerosas. Ele foi inclusive a minha porta de entrada para o shibari. No entanto, o shibari abre portas para um mundo de novas experiências e interações intensas e profundas com as pessoas.
Referências
[1] Sin. “Year of the Bakushi”, CreateSpace Independent Publishing Platform (September 3, 2016), ISBN-10: 1537389122, ISBN-13: 978-1537389127 (Tradução livre própria)
Comments